Evolução do Conceito

Sabe-se, actualmente, que existe um grupo de alunos cujas desordens neurológicas interferem com a recepção, integração ou expressão de informação, o que se reflecte numa discapacidade ou impedimento para a aprendizagem da leitura, escrita ou cálculo, ou para a aquisição de aptidões sociais. Estes alunos, ao não serem abrangidos pelos serviços e apoios da educação especial, sentem um prolongado insucesso académico, e até social, que os leva, na maioria dos casos, ao abandono escolar. Estes alunos designam-se, geralmente, por alunos com dificuldades de aprendizagem específicas (DAE). Porém, em Portugal, o Ministério da Educação não considera as DAE como uma área das Necessidades Educativas Especiais (NEE), o que limita o acesso dos alunos com DAE a programas educativos eficazes, restringindo assim o direito a serviços de educação especial, que, consequentemente confina a capacidade de aprender de acordo com as suas características e necessidades (Correia & Martins, 2006; Garcís, 2004; Silva M. C., 2008). 

 

Evolução do Conceito de DAE

A tentativa de definir o que são as DAE gerou entre os estudiosos das mais diversas áreas, inúmeras discussões, confusões e controvérsia. Uma variedade de profissionais (educadores, psicólogos, médicos, terapeutas, nutricionistas, pais) empenhou-se no estudo de processos que respondessem às necessidades das crianças cujos comportamentos eram incompatíveis com uma aprendizagem típica. Este interesse resultou num conjunto de teorias, todas elas orientadas para o estudo de características e para a elaboração de uma definição, que pudesse explicar esse afastamento de uma aprendizagem típica, por parte de um grupo significativo de crianças (Correia & Martins, 2006; Garcís, 2004; Silva M. C., 2008).

 

 

Na literatura existente acerca do tema é possível verificar que foram propostos inúmeros termos como, lesão cerebral, disfunção cerebral mínima, hiperactividade, dificuldades perceptivas, dificuldades de linguagem, dislexia, distúrbios de aprendizagem psiconeurológicos, entre outros, como forma de designar esta problemática (Correia & Martins, 2006; Garcís, 2004; Silva M. C., 2008).

 

No período inicial, anos 60, duas definições surgiram e serviram de modelo a um conjunto de definições posteriores que continham elementos que hoje em dia se reconhecem como essenciais para a identificação de indivíduos com DA. A primeira definição de DA foi proposta por Samuel Kirk no seu livro Educação da Criança Excepcional. O termo referia-se a:

 

[...] um atraso, desordem ou imaturidade num ou mais processos da linguagem falada, da leitura, da ortografia, da caligrafia ou da aritmética, resultantes de uma possível disfunção cerebral e/ou distúrbios de comportamento e não dependentes de uma deficiência mental, de uma privação sensorial, de uma privação cultural ou de um conjunto de factores pedagógicos (Kirk, 1962).

 

Esta definição, cuja ênfase se pretendia educacional, para além de ter sido facilmente aceite, influenciou outros investigadores. Um deles, Barbara Bateman, propôs uma nova definição que ainda hoje se reconhece. A sua definição, baseada nas correntes da época, diz que:

 

    Uma criança com dificuldades de aprendizagem é aquela que manifesta uma discrepância educacional significativa entre o seu potencial intelectual estimado e o seu nível actual de realização, relacionada com as desordens básicas dos processos de aprendizagem que podem ser ou não acompanhadas por disfunção do sistema nervoso central, e que não são causadas por deficiência mental generalizada, por privação educacional ou cultural, perturbação emocional severa ou perda sensorial (Bateman, 1965).

 

Esta definição constituiu um marco histórico pois englobava três factores importantes que a caracterizam: discrepância, irrelevância da disfunção do sistema nervoso central e exclusão (Correia & Martins, 2006; Garcís, 2004; Silva M. C., 2008).

 

            Em 1968, quando Kirk presidia ao National Advisory Committee on Handicapped Children (NACHC), uma vez que era director da Division for Handicapped Children do Ministério de Educação Americano (US Office of Education), propôs uma nova definição de DA:

As crianças com dificuldades de aprendizagem especiais (específicas) possuem uma desordem em um ou mais dos processos psicológicos básicos envolvidos na compreensão ou uso da linguagem falada ou escrita. Estas dificuldades podem manifestar-se por desordens na recepção da linguagem, no pensamento, na fala, na leitura, na escrita, na soletração ou na aritmética. Tais dificuldades incluem condições que têm sido referidas como deficiências perceptivas, lesão cerebral, disfunção cerebral mínima, dislexia, afasia de desenvolvimento, etc. Elas não incluem problemas de aprendizagem resultantes principalmente de deficiência visual, auditiva ou motora, de deficiência mental, de perturbação emocional ou de desvantagem ambiental (USOE, 1968).

 

Esta definição, tal como a anterior, dava ênfase ao factor de exclusão, incluindo nesse factor as perturbações emocionais que, na definição de Kirk de 1962, eram consideradas como uma possível causa das DA. Sugeria também, a inserção das desordens do pensamento como uma das características das DA e incluía o termo crianças para que fosse possível subsidiar os sistemas escolares e permitir aos alunos que apresentassem DA o usufruto de serviços de educação especial (Correia & Martins, 2006; Garcís, 2004; Silva M. C., 2008).

 

Embora as definições anteriores tenham influenciado a definição corrente de dificuldades de aprendizagem, elas não eram claras quanto à identificação, elegibilidade e intervenção para as crianças que apresentassem DA. Sendo assim, todos os interessados no estudo desta área foram confrontados com a difícil tarefa de elaborar uma definição que encontrasse concordância, ainda que moderada, entre a comunidade, em geral, e a comunidade educativa, em particular (Correia & Martins, 2006; Garcís, 2004; Silva M. C., 2008).

A resposta a este problema surgiu quando em 1975, foi solicitado ao Director da Educação que elaborasse, dentro de um ano, regulamentos estabelecendo e descrevendo os procedimentos de diagnóstico; os critérios para determinar se um dado distúrbio poderia ser designado por dificuldade de aprendizagem; e um regulamento para avaliar o cumprimento dos dois critérios anteriores (Correia & Martins, 2006; Garcís, 2004; Silva M. C., 2008).

 

Esta acção resultou numa definição oficial (Federal Register, 1977) onde se podem destacar critérios destinados a operacionalizar a definição de DA. Estes critérios permitem não só a identificação de uma dificuldade de aprendizagem, mas também pretendem determinar a elegibilidade de um aluno para os serviços de educação especial (Correia & Martins, 2006; Garcís, 2004; Silva M. C., 2008).

 

            Devido a existir somente uma concordância moderado entre os autores, a   “National Joint Committee for Learning Disabilities” (NJCLD) , em 1981, propôs uma nova definição:

Dificuldades de aprendizagem é um termo genérico que diz respeito a um grupo heterogéneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e uso das capacidades de escuta, fala, leitura, escrita, raciocínio ou matemáticas. Estas desordens são intrínsecas ao indivíduo e são devidas presumivelmente a uma disfunção do sistema nervoso central. Embora as dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com outras condições de incapacidade (por exemplo, privação sensorial, deficiência mental, perturbação emocional ou social) ou influências ambientais (por exemplo, diferenças culturais, ensino insuficiente/inadequado, factores psicogenéticos), não são devidas a tais condições ou influências.

 

Esta definição, mostra que as dificuldades de aprendizagem também se aplicam à população adulta e refere que a baixa realização académica é produto de uma disfunção neurológica. Para clarificar a definição foram eliminados termos como “dislexia” e “afasia de desenvolvimento” e salientou-se que a dificuldade de aprendizagem não é causada por outras condições de discapacidade ou circunstâncias ambientais adversas, embora possa coexistir com elas (Correia & Martins, 2006; Garcís, 2004; Silva M. C., 2008).

 

Em 1987, um grupo de especialistas convidados pelos Department of Education e Department of Health and Human Services, designado por The Interagency Committee on Learning Disabilities (ICLD), tendo por base a definição elaborada pelo NJCLD, propôs uma definição muito semelhante à anterior, onde, a única diferença, foi a inclusão do termo aptidões sociais, termo esse que recebeu duras críticas. Como reacção, em 1988 o NJCLD revisou a sua definição de 1981 e elaborou uma nova definição que estava em conformidade com todos os membros excepto da Division of Learning Disabilities:

 

Dificuldades de aprendizagem é um termo genérico que diz respeito a um grupo heterogéneo de desordens manifestadas por problemas significativos na aquisição e uso das capacidades de escuta, fala, leitura, escrita, raciocínio ou matemáticas. Estas desordens, presumivelmente devidas a uma disfunção do sistema nervoso central, são intrínsecas ao indivíduo e podem ocorrer durante toda a sua vida. Problemas nos comportamentos auto-reguladores, na percepção social e nas interacções sociais podem coexistir com as DA, mas não constituem por si só uma dificuldade de aprendizagem. Embora as dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente com outras condições de discapacidade (por exemplo, privação sensorial, perturbação emocional grave) ou com influências extrínsecas (tal como diferenças culturais, ensino inadequado ou insuficiente), elas não são devidas a tais condições ou influências.

 

 

 

 

Dificuldades de Aprendizagem - Conceito Actual

 

Actualmente os alunos que apresentem DA têm direito a programas educacionais individualizados que reflectem as suas características e necessidades. Isto porque existem factores comuns entre os diferentes autores, e que são de extrema relevância, que ajudam a uma boa compreensão desta problemática:

 

 Origem neurológica: De acordo com os estudos efectuados nesta área, que se apoiaram no uso da imagiologia por ressonância magnética (IRM), as crianças com dislexia, aquando a execução de tarefas do tipo intelectual como, por exemplo, a leitura, parecem apresentar uma actividade reduzida no gyrus angular – a zona do cérebro que liga as áreas do córtex visual e da associação visual às áreas da linguagem –, acompanhada de uma actividade excessiva na área de Broca, responsável pelos mecanismos motores da fala. Sendo assim pode-se dizer que as DA têm uma base neurobiológica, ou seja, que a estrutura cerebral poderá estar danificada devido a um conjunto de factores tal como, o tamanho dos neurónios (menor do que o normal), o número de neurónios (menor número de neurónios em áreas importantes do cérebro), uma displasia (deslocação de células nervosas para partes incertas do cérebro), uma irrigação cerebral mais lenta e uma metabolização da glucose mais lenta em certas partes do cérebro (Garcís, 2004; Silva M. C., 2008).

 

Padrão desigual de desenvolvimento: Desigualdade de desenvolvimento em áreas como linguagem, perceptivas e motora.

 

Envolvimento processual: As dificuldades de aprendizagem interferem com os processos psicológicos que possibilitam a aquisição e/ou desenvolvimento de competências.

Dificuldades numa ou mais áreas académicas e de aprendizagem: Leitura, escrita e/ou matemática.

 

            Discrepância académica: Os alunos com DAE evidenciam diversos problemas que interferem com as suas aprendizagens, porém os seus quocientes de inteligência (QI) encontram-se num nível normal ou mesmo acima da média. Esta discrepância, entre o potencial estimado e a realização académica, tem sido um factor essencial na identificação destes alunos (Garcís, 2004; Silva M. C., 2008).

 

Exclusão de outras causas: é excluída a hipótese que as DAE são causadas por outras problemáticas como a deficiência mental, a deficiência visual e auditiva, os problemas motores, as perturbações emocionais e as desvantagens culturais, sociais ou económicas. Contudo, isto não quer dizer que as DAE não possam coexistir com essas problemáticas (Garcís, 2004; Silva M. C., 2008).

 

Condição vitalícia: As dificuldades de aprendizagem, por terem uma origem neurológica e, por conseguinte, serem intrínsecas ao indivíduo, acompanham-no ao longo da sua vida.

 

Um indivíduo com DA não manifesta problemas em todas as áreas supracitadas, daí que algumas definições e muitos autores usem o termo dificuldades de aprendizagem específicas quando se referem à área das dificuldades de aprendizagem.

Para terem sucesso, os alunos com DA devem ser identificados o mais precocemente possível, através de observações e avaliações especializadas que levem a intervenções específicas que envolvam não só a escola, como também a família e a comunidade (Garcís, 2004; Silva M. C., 2008).