Cientistas portugueses investigam doença que provoca dificuldades de aprendizagem

03-01-2010 00:00

 

A mutação de um gene no embrião desencadeia uma doença causadora de dificuldades de aprendizagem e escolares a milhares de pessoas. Investigadores em Coimbra procuram saber como funciona o seu cérebro, para descobrir terapias mais adequadas.

Uma em cada 4.000 pessoas padece de neurofibromatose, segundo as estatísticas internacionais, mas a realidade é que muitos adultos vêm a saber que são portadores da doença quando ela é diagnosticada nos seus filhos, por sinais particulares que aparecem na sua pele e no corpo, mas mais sintomáticos nas dificuldades cognitivas, nos problemas escolares.

Uma equipa de investigação coordenada por Miguel Castelo Branco, através da Faculdade de Medicina e do Instituto Biomédico de Investigação da Luz e da Imagem (IBILI) da Universidade de Coimbra, e em cooperação com a Universidade de Cardiff e a Rede Nacional de Imagiologia, procura conhecer melhor os mecanismos da doença e ajudar à descoberta de terapias mais eficazes.

“A ideia é perceber o lado genético da doença, o que nos genes leva a determinadas manifestações, mas também tentar perceber o contexto escolar. A nós interessa-nos saber a origem das dificuldades”, declarou à agência Lusa o coordenador da investigação, que congrega ainda a física Maria Ribeiro e a bioquímica Inês Violante.

Para o investigador, sendo uma doença frequente, e causadora de dificuldades de aprendizagem na escola, faz com que aumente o seu relevo social, pois “estão em jogo factores genéticos, factores do desenvolvimento e factores educacionais”.

Identificada completamente em 1882 pelo alemão Friedrich Daniel von Recklinghausen, e já com um modelo animal criado, que propôs uma terapêutica e serve de base a testes clínicos actualmente em curso na Holanda, EUA e Austrália, ainda pouco se sabe sobre as alterações de funcionamento do cérebro que lhe estão associadas.

No modelo animal, os ratinhos têm dificuldades em memorizar, não conseguem aprender, devido a um aumento da actividade dos neurónios inibitórios. Medicando-os conseguem resolver o problema e melhoram, mas, na óptica de Miguel Castelo Branco isso não garante que o mesmo se passe no ser humano.

“O que propomos de diferente é olharmos para o cérebro directamente. Obter medidas quantitativas da função cerebral, em vez de olhar para o comportamento e dar medicamentos, a ver se os meninos melhoram o desempenho escolar no final do ano”, explica Maria Ribeiro.

Com este projecto de investigação, que desenvolvem há dois anos, têm vindo a acompanhar 30 famílias com a doença, e a mobilizar voluntários não portadores de neurofibromatose, crianças e adultos, entre os 7 e os 16 anos e os 30 e 40 anos, com o envolvimento do Hospital Pediátrico de Coimbra e da Escola Básica 2,3 Martim de Freitas.

Através da ressonância magnética funcional e da electroencefalografia, e recorrendo a jogos interactivos, medem os sinais cerebrais dos portadores da doença e dos sãos, por meio de equações matemáticas.

“Vemos o doente de múltiplas perspectivas. Do desempenho escolar, de performance de quociente de inteligência, de testes de neuropsicológicos até um perfil mais científico em que olhamos para bio-marcadores neurofisiológicos”, explica o coordenador do projecto, que venceu o Grande Prémio Bial 2008 com os seus estudos sobre o funcionamento do cérebro.

Dentro de três anos querem que esta investigação abranja centenas de pessoas de vários pontos do país, e que seja possível também realizar ensaios clínicos, e partindo dos marcadores neurofisiológicos obtidos propor o medicamento mais indicado e na medida adequada.

Consideram que o resultado deste estudo é ainda importante para a criação de uma base de dados nacional que ajude a acompanhar estes doentes e avaliar a sua evolução, pois trata-se de uma patologia que importa diagnosticar precocemente, e que além das dificuldades cognitivas provoca problemas ósseos e visuais e desenvolve tumores.